Abstract:
O presente trabalho de pesquisa constitui-se em estudo de natureza qualitativa, interdisciplinar
histórico cultural. O objeto tratado é uma obra de arte pictórica religiosa de 1714 e restaurada
em 2016, trazida por uma família imigrante italiana, em 1882, para o município de Encantado,
Rio Grande do Sul, e sua inserção em uma polissemia de significados, partilhados por essa
comunidade e a de Longarone, Itália, local de onde a família migrou e lugar de confecção da
pintura. Os objetivos da tese visam: evidenciar a existência de relações entre memória social,
restauro e bem cultural; demonstrar as atribuições de sentido dos grupos sociais relacionados à
circulação da obra sacra analisada; examinar as interfaces entre espaços, tempos, memória e
comunidade de sentido. A metodologia de investigação foi constituída a partir do objeto de
pesquisa: o processo de restauro atuou como motivação; o empírico estabeleceu vínculos com
a comunidade depositária da obra; o contato com a família Bratti remeteu à busca pela história
da constituição da cidade de Encantado, pelas narrativas de memória com os descendentes;
averiguações em acervos particulares e públicos ultrapassaram as fronteiras brasileiras para
alcançar indícios na Itália, tratando de cotejamentos de significados construídos e reconstruídos
socialmente. A análise da obra e sua trajetória, os documentos, as fotografias do acervo da
família, os registros, depoimentos e aplicação de técnicas de restauração constituem indícios
que permitiram consolidar elementos e indícios comprobatórios da tese. Como resultados
obtidos constatou-se a existência de articulações entre memória, comunidade de sentido e
pertencimento entre Encantado-Brasil e Longarone-Itália, para além da iconografia da obra
examinada. A imagem sacra existente no Brasil aciona um reconhecimento de memória do
passado, como identidade e manutenção de um marco na existência histórica e cultural anterior
à tragédia de 1963, na Itália. No Brasil, a obra de devoção evoca o passado e mantém as
lembranças, tal qual um monumento, quando passado e presente quase se tocam, restabelece os
laços afetivos e mnemônicos da família e da comunidade pela significação e ressignificação de
signos acionados e incorporados temporalmente na cultura e nas tradições de Encantado.
Verificou-se a configuração de uma comunidade de sentido entre os dois grupos separados
geograficamente e trajetórias diversas, mas unidos por um suporte material de memória – a obra
–, de evidência histórica, de uma memória social desenhada na atribuição de significados entre
mudanças e permanências.