Abstract:
A violência de gênero possui diversas formas de manifestação, que afetam diariamente as
vítimas, em graus diferentes de intensidade, avançando desde ofensas, constrangimentos,
perturbações, a violências físicas, patrimoniais, sexuais e até mesmo contra a vida. Nesse
sentido, para tentar reduzir seus impactos, constantes alterações legislativas são realizadas com
o objetivo de dar uma resposta a esse problema social. A lei que institui o crime de perseguição
no Código Penal Brasileiro, também conhecida como stalking, é um exemplo dessas alterações.
Pelo novo tipo penal, aquele que constranger a vítima de forma reiterada, reduzindo sua
capacidade de autodeterminação, comete infração penal. Ocorre que a referida alteração
legislativa revogou expressamente a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, a
qual, muito embora classificada como uma infração penal, permitia a responsabilização
criminal de autores e a consequente concessão de uma medida protetiva às vítimas, quando
praticado no contexto da violência de gênero. Assim sendo, a alteração legislativa
inegavelmente apresenta um impacto muito grande no mundo fático, notadamente sob a
perspectiva da violência de gênero. Por conta disso, surgiu a necessidade de se verificar, na
prática, por meio dos casos concretos, quais os reflexos da nova criminalização na vida das
vítimas e dos autores, bem como qual o impacto da retirada da contravenção penal da legislação
brasileira. Desta forma, o presente trabalho buscou analisar essas questões que permeiam a
violência de gênero e impactam na vida das vítimas efetuando uma pesquisa empírica em
ocorrências policiais registradas na Delegacia de Especializada no Atendimento à Mulher na
cidade de Canoas/RS, verificando quem são as vítimas e os autores, qual o contexto em que os
fatos aconteceram, qual a consequência posterior ao registro policial e os fatos que antecederam
e sucederam a eventual perturbação da tranquilidade ou perseguição. Os resultados da pesquisa
indicam que o legislador acertou com a inserção do crime de perseguição no Código Penal, pois
reduziu o índice de reincidência criminal e as condutas verificadas na maior parte dos casos são
praticadas por meio de novas tecnologias, o que não ocorria na perturbação da tranquilidade.
Em contrapartida, a retirada da contravenção penal indicou um equívoco, tendo em vista que
os fatos ocorrem de forma diversa e o público alvo é totalmente diferente, o que se reflete em
redução da proteção às vítimas.